12/02/2008

GALEGO e RUBI - foto Guto Muniz








APRESENTAÇÃO

Até que ponto é possível a experiência da liberdade, não como libertação disso ou daquilo, mas como superação dos próprios condicionamentos¿ “Quando o Peixe Salta” sugere que relações familiares, de amizade, de trabalho e de amor podem se tornar uma teia que enreda o espírito. Na ótica do espetáculo, não apenas fatores externos condicionam nosso comportamento, como a nossa própria mente tende a se condicionar, a automatizar nossos gestos, a repetir sentimentos e pensamentos. A consciência do próprio condicionamento seria o impulso decisivo para a experiência da liberdade, “o salto do peixe”.

Criação coletiva, a montagem elabora o material resultante das improvisações dos atores, realizadas durante 8 meses de laboratório (dentro do projeto "Oficinão" do Galpão Cine-Horto, em 2006), em que os diretores Rodrigo Campos e Fernando Mencarelli conduziram um trabalho radical sobre a noção do ator como artista criador, buscando a exploração não-convencional do espaço da cena. Nesse processo, evidenciou-se a relação entre o condicionamento pessoal e o fazer teatral, relação que se tornou o leitmotif da dramaturgia.

Paralelamente ao universo "ficcional" das cenas, o espetáculo expõe o condicionamento presente na própria prática do rito teatral: o posicionamento da platéia em relação à cena, a posição da cena em relação ao palco, a partitura (pré-determinada) do ator são desestabilizados. A peça começa antes do publico entrar, há cenas que ocorrem fora do teatro, ações são anunciadas antes de ocorrerem.

A partir de fragmentos de narrativas e imagens metafóricas, a peça constrói uma rede de histórias paralelas e complementares, que vão se intrincando e criando novas camadas de significação. Seu fio-condutor: a desordem causada quando uma pessoa se nega a cumprir seu roteiro cotidiano. As personagens foram criadas com base em experiências reais dos atores-criadores da peça. Mesmo que não seja evidente, esse caráter de auto-referência pessoal garante uma força especial à atuação do elenco.

Com uma dramaturgia criada juntamente com a encenação, o espetáculo dá ao texto a mesma importância que o corpo ou a imagem. Gestos, palavras, objetos, canções, espaço, cada recurso reivindica um sentido próprio e ocupa um lugar preciso na composição da cena. A peça explora os signos teatrais em toda sua complexidade para criar uma atmosfera estranha de confinamento, em que a metáfora do curral é uma referência constante.
Rodrigo Campos (diretor)

MENINO, PATA, PEIXE e GALEGO - foto Jaqueline Martins





JORNAL ESTADO DE MINAS





No palco - QUANDO A QUALIDADE BERRA
26/01/08

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Espetáculo resultado do Oficinão do Galpão, Quando o peixe salta realiza com competência a proposta do texto, com elenco afiado e direção de Fernando Mencarelli e Rodrigo Campos
Jefferson da Fonseca




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Com participação de todo o grupo na criação da montagem, peça ganha coesão, força e dramaticidade.
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No processo colaborativo a soma faz toda a diferença. O encontro de profissionais múltiplos, em longa jornada de troca, estudo e experimentação, dá ao Oficinão do Grupo Galpão status de laboratório de idéias. É contribuição de Minas Gerais das mais caras ao teatro brasileiro. Em seu décimo ano consecutivo, com nove espetáculos realizados, o projeto atrai artistas de várias partes do Brasil e também do exterior. É extraordinário no cumprimento de seu objetivo primário: permutar conhecimento. Quando o peixe salta, em cartaz no Galpão Cine Horto, até amanhã, pelo 2º Verão Arte Contemporânea, é amostra do bom resultado alcançado com a turma de 2006.Capitaneada a quatro mãos por Rodrigo Campos e Fernando Mencarelli, a montagem está de volta, reeditada, embalada pelos prêmios que recebeu no ano passado. Percebe-se nitidamente que Quando o peixe salta é resultado das inquietações individuais, reunidas, que, organizadas, desdobram-se em emaranhado de boas idéias e soluções cênicas, no mínimo interessantes. Para falar de dependência, do emburrecimento coletivo, da ausência de liberdade e das urgências tolas, o grupo se apropriou de grande variedade de recursos, que vão de equipamentos multimídia à técnica de rapel. Roupagem que alinhava palavra e sentimentos em atmosfera estranha e perturbadora.O espetáculo começa na fila de espera, em contramão de intenções. Enquanto o público, ansioso, aguarda para entrar, a protagonista ganha a rua e invade um bar. Sobe em carros e interrompe o trânsito. É o lado de fora seu espaço na trama. Encurralados, pagantes e convidados seguem, carimbados um a um, em contagem, como gado rumo ao abatedouro. Os chicletes de brinde, logo na entrada, parecem sugerir que a platéia masque como as vacas fazem no curral. O som, de fundo, traz leiloeiro de programa agropecuário. Os espectadores se ajeitam, sentados de frente para a parede, de costas para a área de ação da trama. Porteira fechada, dá-se o segundo movimento com criativo texto de “desliguem seus celulares, não fotografem...” etc. Arquibancadas invertidas, é hora de ficar de frente para o espetáculo. O tempo que se segue é de absurda retratação da realidade e asfixia.Conjunto forteA força do elenco está no conjunto. Característica elementar das propostas de aprendizado, os atores estão a serviço do todo. Cada um cumpre com relativo vigor o seu papel. O que se vê é desdobramento de processo. Em cena, o ator-criador imprime sua leitura, seu entendimento da idéia agrupada de direção. Chama a atenção a consciência corporal da grande maioria. Quando o peixe salta é um espetáculo físico, de entrelinhas, de metáforas. Há, no entanto, o pecado do excesso, assombração para jovens atores, adeptos ao teatro experimental. Em meia dúzia deles, por vezes, é possível identificar o ar de “ei, estou fazendo teatro” ou “veja do que sou capaz”. Isso, para a bela dramaturgia de Quando o peixe salta, definitivamente, não é bom. É quando faz falta a verdade, a fé e a emoção.Figurino, iluminação e trilha sonora são pontos fortes desta 9ª edição do Oficinão. Com tantos acertos, o exagero por parte do numeroso elenco não compromete. Poderia passar despercebido, coberto por tão rico mise-en-scène. Em Quando o peixe salta, a qualidade berra. O vídeo, canal de comunicação com a personagem ausente, é idéia preciosa realizada com competência. Traz a personagem Jota, ao vivo, para dentro do galpão. Aliás, letra carimbada no antebraço do espectador, logo na entrada, para que ele saiba bem que não é apenas espectador.

PÚBLICO - foto Tomáz Arthuzzi


(ARQUIBANCADAS )
Após passar pelo tronco, público entra na caixa cênica, onde os atores estão espalhados, e ajudam a conduzir os espectadores. No centro, em destaque, uma cena/imagem: cama de casal com grama no lugar do colchão, onde PHOC está deitado, e PATA de pé ao seu lado joga água com um balde de desmame. Em OFF áudio do leilão do CANAL DO BOI. O público assenta em arquibancadas dispostas de costas para o centro do palco, de frente para as paredes.

DIVA - foto Guto Muniz


ELLA - Não tem final feliz? . Mas... Eu vim para isso. Você é..., bom, era, tão linda... Não fica assim. Canta aquela tão bonita. Eu gostava tanto de você. Olha para mim... Você cantava para o mundo e eu.. .Para quem canto eu? Chega! Eu vim só para te ver, se não eu não tivesse vestido assim, tão, tão...ridícula. Você se lembra do final da história? Eu acho, não, eu tenho certeza de que não era assim,que eu vi nalguma parte uma saída, era (tapa se os olhos e da voltas) para lá? (sai da cena em procura desse espaço)

PHOC (peixe) - foto Guto Muniz


PHOC - Que mundo... Que Sol é esse? Olha!... eu sei. Eu sei. E que coisa estranha, eu sou burro. Eu sei as coisas por elas próprias. E linda! nos olhos. Aonde sente o Sol. O Sol. O Sol burro. Eu sei o Sol. Eu sei o Sol burro.
BATE NO PORTÃO Cai ao chão. Debate-se.

FIDO - foto Guto Muniz


1. TAXI
RUÍDO de BUZINA lá fora, do PORTÃO se abrindo, do carro entrando. SENTINELAS surgem de táxi, tensos.
GUIDO/FIDO Você perdeu o contato com ela, Fido./ Eu não, foi você! / >>>>>>>>>>>>>>>

GUIDO/FIDO - ela não foi ao trabalho!! O que está acontecendo? Não sei!... que horas são? 12:30, hora do almoço! Ela também não foi almoçar?!

> DESAPARECEM>? > abrem aquário, dão cigarro ao PHOC>?

PATA, MENINO e GALEGO - foto Guto Muniz


PATA - Tá com fome?
MENINO acena com a cabeça
PATA - Tá com fome, menino?

RUBI e GALEGO - foto Guto Muniz


GALEGO chega em casa falando ao celular, mal olha para RUBI, que de olhos baixos guarda o paletó do marido. Fazem toda a rotineira seqüência de ações mantendo os pratos equilibrados.
RUBI – Mandei as roupas pra lavanderia.
GALEGO mas isso não explica sua ausência no trabalho hoje, J.!
RUBI - Repreguei os botões.
GALEGO - Terei que descontar... o que?
RUBI – posso servir o almoço?
GALEGO - Cego eu?
RUBI – fiz musse de sobremesa.
GALEGO – Alõ, J.? (desliga o celular)
Quando GALEGO e RUBI se olham nos olhos, deixam cair os pires. Pausa.
GALEGO Você não é minha esposa.
RUBI - e meu marido?
GALEGO - Essa não é a minha casa.
RUBI Essa é minha casa.
GALEGO sai de cena. Deixa celular (perto de ROSA), BATE NO PORTÃO. RUBI interrompe o metrônomo.

DIVA - foto Guto Muniz


Projeção

IGNÁCIA - foto Guto Muniz



J. - Ignácia, Ignácia. a porta abre pra dentro. Quando abrir a porta e assomar à escada, saberá que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as casas já conhecidas, não a sinuca em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de você como uma magnólia.

RUBI - foto Guto Muniz


RUBI Você não é daqui é?
NANA Não, tô viajando há um bom tempo...
RUBI Sozinha?
NANA Muito. Eu não paro num lugar, né... Agora mesmo tô sem destino de novo.
RUBI Eu, pela primeira vez. Você não sente saudade?

PATA - foto Tomáz Arthuzzi


1. NORMAS, FILME, ‘FALTA UM’
Depois de se acomodarem todos, soa uma sirene/aboio. No centro do palco, ou seja, às costas da platéia, as SENTINELAS lêem/enunciam as normas de conduta.
FIDO/GUIDO - Boa noite, por favor atenção às (falam juntos) NORMAS DE CONDUTA NO RITO TEATRAL: (lendo) silenciar os celulares; não tossir muito; não dormir, mas se dormir não roncar; não perturbar a concentração dos atores; aplaudir no final, ou quando pedirem ou quando um colega aplaudir; não sair antes da peça acabar; não se emocionar de forma equivocada; jamais dizer que não entendeu o espetáculo; e finalmente, assentar-se de frente para a cena.
As ARQUIBANCADAS são giradas. (a cama não está mais na cena). Começa a PROJEÇÃO (múltipla?) do filme “sonho hollywoodiano”, que mistura imagens do Mágico de Oz e outros clássicos de Hollywood com imagens de curral e bovinos, e imagens de bolas de sinuca rolando e se chocando. (TODOS fazem as bolas de chicle eclodirem, o que resulta num som de borbulhas.)
SENTINELAS conferem o número de presentes. Vê-se somente as pernas dos atores (recorte pela luz), em CORO de gestual bovino, de frente para a tela, assistindo a projeção.
FIDO/GUIDO - Falta um...
SENTINELAS dispersam as personagens e sobem até as passarelas. Termina o filme.
2. CHECAGEM NOME
TODAS PERSONAGENS distribuídas pela caixa cênica agem simultaneamente, cada uma no seu gesto repetitivo. GUIDO nas passarelas joga holofote sobre personagens enquanto FIDO diz seus nomes, procurando e checando.
FIDO – Galego, Menino, Rubi, Ignácia, Diva, Nana, Peixe....
SENTINELAS encontram e jogam luz sobre um cincerro no chão.
FIDO/GUIDO – J.? / J.!...
FIDO PEGA CINCERRO DEIXADO POR J.> e o faz soar, dispersando as personagens.
FIDO – êêêêêhoou...
Saem todas personagens – exceto PATA.

ELLA - foto Jaqueline Martins


ELLA: Ele chega sempre às cinco para as seis – ela sabe por que ouve ele subir pela escada, São 16 degraus de madeira. Seu sapato sempre escorrega...

JOTA - foto Guto Muniz


(RUA/BAR)
Enquanto o público chega, e aguarda para entrar no teatro, vê J. na rua, inexplicavelmente num estado de plenitude, bem-aventurança, liberdade. No bar, curte a textura do feltro da mesa de sinuca, o movimento das bolas. Dali ela vê as pessoas entrando no teatro/Cine-Horto (sem entender). Fica ali até o último espectador entrar no teatro (Cine-Horto).

MENINO e PATA - foto Guto Muniz


O MENINO tenta mamar na mãe que novamente geme e o rechaça.
PATA Sai menino! Nessa casa não entra leite! MENINO geme.
FIDO começa a gravar.
PATA Cala boca. (ele geme mais alto) Cala a boca! (ele geme cada vez mais alto) Cala a boca, menino, traste! Encosto!
GUIDO Em menos de 2 minutos J. já não suportaria mais e colocaria o som bem alto. FIDO/GUIDO Mais alto, mais alto....
(DIVA que canta Que será enquanto mãe e filho continuam.)
PATA Seu traste! Minha vida termina onde a sua começa! Traste, encosto!GUIDO Mais alto, mais alto.

IGNÁCIA - foto Guto Muniz


IGNÁCIA – Eu não sei fazer direito... Aqui a gente tem que comer pão com pratinho, senão as formigas...

ROSA - foto Guto Muniz


ROSA – (dá risada) Ah, J.... Eu acho que a vida anda passando a mão em mim. E por falar em sexo, quem anda me comendo é o tempo. À força e por trás - até que um dia eu resolvi encarar ele de frente e disse: Tempo, se você tem que me comer, que seja me olhando nos olhos. (pausa) De lá pra cá, dizem que eu ando até remoçando. (apaga o cigarro)

DIVA - foto Guto Muniz

DIVA: Quando eu era uma menininha eu perguntei à mamãe: Que serei? Serei bonita? Serei rica? E ela me respondeu: Las histéricas somos lo maximo/ Las histéricas somos lo máximo /extraviadas, voyeristas, seductoras, compulsivas/ finas divas arrojadas!

DIVA - foto Tomáz Arthuzzi


DIVA: Alô... Quem é? Quem é... Vai ficar calado? Escuta aqui ô enrustido ou enrustida, já que você tem meu número, quando Liza Mineli morrer você me liga, tá?

GALEGO, PEIXE, PATA, MENINO, DIVA e IGNÁCIA - foto Tomáz Arthuzzi

(ARQUIBANCADAS )
Após passar pelo tronco, público entra na caixa cênica, onde os atores estão espalhados, e ajudam a conduzir os espectadores. No centro, em destaque, uma cena/imagem: cama de casal com grama no lugar do colchão, onde PHOC está deitado, e PATA de pé ao seu lado joga água com balde de desmame. Em OFF áudio do leilão do CANAL DO BOI. O público assenta em arquibancadas dispostas de costas para o centro do palco, de frente para as paredes.